sexta-feira, 23 de maio de 2014

TEOLOGIA LIBERAL


TEOLOGIA LIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A FÉ BÍBLICA.







Do jeito que as coisas andam em nossos dias, precisamos urgentemente nos libertar da teologia liberal. É espantoso o crescente número de livros (inclusive publicados por editoras evangélicas) que esboçam os ensinamentos deste tipo de teologia ou tecem comentários favoráveis. Embora esta teologia tenha nascido com os protestantes, hoje, porém, seus maiores expoentes são os católicos romanos. Em qualquer livraria católica encontramos grande quantidade de obras defendendo e/ou propagando a teologia liberal. E não é só isso. A forma com que alguns seminários e igrejas vêm se comprometendo com os ensinos desta teologia também é de impressionar.

A libertação da teologia liberal não só é necessária como também é vital para a Igreja brasileira, ameaçada pelo secularismo e pelo liberalismo teológico corrosivo.

Apesar das motivações iniciais dos modernistas, suas idéias, no entanto, representaram grave ameaça à ortodoxia, fato já comprovado pela história. O movimento gerou ensinamentos que dividiram quase todas as denominações históricas na primeira metade deste século. Ao menosprezar a importância da doutrina, o modernismo abriu a porta para o liberalismo teológico, o relativismo moral e a incredulidade descarada. Atualmente, a maioria dos evangélicos tende a compreender a palavra “modernismo” como uma negação completa da fé. Por isso, com facilidade esquecemos que o objetivo dos primeiros modernistas era apenas tornar a igreja mais “moderna”, mais unificada, mais relevante e mais aceitável em uma era caracterizada pela modernidade.

Mas o que caracterizaria um teólogo liberal? O verbete sobre o “protestantismo liberal” do Novo Dicionário de Teologia, editado por Alan Richardson e John Bowden, nos traz uma boa noção do termo. Vejamos três destaques de elementos do liberalismo teológico:

1 – É receptivo à ciência, às artes e estudos humanos contemporâneos. Procura a verdade onde quer que se encontre. Para o liberalismo não existe a descontinuidade entre a verdade humana e a verdade do cristianismo, a disjunção entre a razão e a revelação. A verdade deve ser encontrada na experiência guiada mais pela razão do que pela tradição e autoridade e mostra mais abertura ao ecumenismo;

2 – Tem-se mostrado simpatia para com o uso dos cânones da historiografia para interpretar os textos sagrados. A Bíblia é considerada documento humano, cuja validade principal está em registrar a experiência de pessoas abertas para a presença de Deus. Sua tarefa contínua é interpretar a Bíblia, à luz de uma cosmovisão contemporânea e da melhor pesquisa histórica, e, ao mesmo tempo, interpretar a sociedade, à luz da narrativa evangélica;

3 – Os liberais ressaltam as implicações éticas do cristianismo. O cristianismo não é um dogma a ser crido, mas um modo de viver e conviver, um caminho de vida. Mostraram-se inclinados a ter uma visão otimista da mudança e acreditar que o mal é mais uma ignorância. Por ter vários atributos até divergentes, o liberal causa alergia para uns e para outros é motivo de certa satisfação, por ser considerado portador de uma mente aberta para o diálogo com posições contrárias.

As grandes batalhas causadas pelo liberalismo foram travadas dentro das grandes denominações históricas. Muitos pastores que haviam saído dos EUA no intuito de se pós-graduarem nas grandes universidades teológicas da Europa, especificamente na Alemanha, em que a teologia liberal abraçava as teorias destrutivas da Alta Crítica produzida pelo racionalismo humanista, acabaram retornando para os EUA completamente descrentes nos fundamentos do cristianismo histórico. Os liberais, devido à tolerância inicial dos fiéis para com a sã doutrina, tiveram tempo de fermentar as grandes denominações e conseguiram tomar para si os grandes seminários, rádios e igrejas, de modo que não sobrou outra alternativa para grande parte dos fundamentalistas senão sair dessas denominações e se organizar em novas denominações. Daí surgiram os Batistas Regulares (que formaram a Associação Geral das Igrejas Batistas Regulares, em 1932), os Batistas Independentes, as Igrejas Bíblicas, as Igrejas Cristãs Evangélicas, a Igreja Presbiteriana
dos Estados Unidos (em 1936, que mudou seu nome para Igreja Presbiteriana Ortodoxa), a Igreja Presbiteriana Bíblica (em 1938), a Associação Batista Conservadora dos Estados Unidos (em 1947), as Igrejas Fundamentalistas Independentes dos Estados Unidos (em 1930) e muitas outras denominações que existem ainda hoje.

Podemos dizer que algumas das características do cristianismo ortodoxo se baseiam nos seguintes pontos:

• Manter fidelidade incondicional à Bíblia, que é inerrante, infalível e verbalmente inspirada;
• Acreditar que o que a Bíblia diz é verdade (verdade absoluta, ou seja, verdade sempre, em todo lugar e momento);
• Julgar todas as coisas pela Bíblia e ser julgado unicamente por ela;
• Afirmar as verdades fundamentais da fé cristã histórica: a doutrina da Trindade, a encarnação, o nascimento virginal, o sacrifício expiatório, a ressurreição física, a ascensão ao céu, a segunda vinda do Senhor Jesus Cristo, o novo nascimento mediante a regeneração do Espírito Santo, a ressurreição dos santos para a vida eterna, a ressurreição dos ímpios para o juízo final e a morte eterna e a comunhão dos santos, que são o Corpo de Cristo.
• Ser fiel à fé e procurar anunciá-la a toda criatura;
• Denunciar e se separar de toda negativa eclesiástica dessa fé, de todo compromisso com o erro e de todo tipo de apostasia;
• Batalhar firmemente pela fé que foi concedida aos santos.

Contudo, o liberalismo, em sua apostasia, nega a validade de quase todos os fundamentos da fé, como, por exemplo, a inerrância das Escrituras, a divindade de Cristo, a necessidade da morte expiatória de Cristo, seu nascimento virginal e sua ressurreição. Chegam até mesmo a negar que existiu realmente o Jesus narrado nas Escrituras. A doutrina escatológica liberal se baseia no universalismo (todas as pessoas serão salvas um dia e Deus vai dar um jeito até na situação do diabo) e, conseqüentemente, para eles, não existe inferno e muito menos o conceito de pecado. O liberalismo é um sistema racionalista que só aceita o que pode ser “provado” cientificamente pelos próprios conhecimentos falíveis, fragmentados e limitados do homem.

Os primeiros estudiosos que aplicaram o método histórico-crítico sem critérios ao estudo das Escrituras negavam que a Bíblia fosse, de fato, a Palavra de Deus inspirada. Segundo eles, a Bíblia continha apenas a Palavra de Deus.

O liberalismo teológico tem procurado embutir no cristianismo uma roupagem moderna: pegam as últimas idéias seculares e, sorrateiramente, espalham no mundo cristão. J.G. Machem, em seu livro Cristianismo e liberalismo, trata deste assunto com maestria. Na contracapa, podemos ver uma pequena comparação entre o cristianismo e o liberalismo: “O liberalismo representa a fé na humanidade, ao passo que o cristianismo representa a fé em Deus. O primeiro não é sobrenatural, o último é absolutamente sobrenatural. Um é a religião da moralidade pessoal e social, o outro, contudo, é a religião do socorro divino. Enquanto um tropeça sobre a ‘rocha de escândalo’, o outro defende a singularidade de Jesus Cristo. Um é inimigo da doutrina, ao passo que o outro se gloria nas verdades imutáveis que repousam no próprio caráter e autoridade de Deus”.

Muitos, por buscarem aceitação teológica acadêmica, têm-se comprometido fatalmente, pois, na prática, os liberais tentam remover do cristianismo todas as coisas que não podem ser autenticadas pela ciência. Sempre que a ciência contradiz a Bíblia, a ciência é preferida e a Bíblia, desacreditada.

Hoje, a animosidade que demonstram para com a Bíblia tem caracterizado aqueles que crêem que ela é literalmente a Palavra de Deus e inerrante (sem erros em seus originais) como “fundamentalistas”.1 Ora, podemos por acaso negociar o inegociável?

Os liberais acusam os evangélicos de transformar a Bíblia em um “papa de papel”, ou seja, em um ídolo. Com isso, culpam os evangélicos de bibliolatria.2 Estamos cientes de que tem havido alguns exageros por parte de alguns fundamentalistas evangélicos, mas a verdade é que os “eruditos” liberais têm-se mostrado tão exagerados quanto muitos do que eles denominam de fundamentalistas. Teoricamente falando, a maioria dos liberais acredita em Deus, supondo que Ele pode intervir na história da humanidade, porém, na prática, e com freqüência, mostram-se muito mais deístas.3 Normalmente, os liberais também favorecem o “relativismo”, ou seja, difundem que no campo da verdade não há absolutos. Segundo este raciocínio, se não há verdades absolutas, então, as verdades da Bíblia (que são absolutas) são relativas, logo, não podem ser a Palavra de Deus. Tendo rejeitado a Bíblia como a infalível Palavra de Deus e aceitado a idéia de que tudo está fluindo, o teólogo liberal afirma que não é segura qualquer idéia permanente a respeito de Deus e da verdade teológica.

Levando o pensamento existencialista às últimas conseqüências, conclui-se que: se quisermos que a Bíblia tenha algum valor para a modernidade e fale ao homem moderno, temos de criar uma teologia para cada cultura, para cada contexto, onde nenhum ensino é absoluto, mas relativo, variando conforme o contexto sociocultural. Obviamente, tal pensamento possui fundamento em alguns pontos, mas daí ao radicalismo de pregar que nada é absoluto, isso já extrapola e fere diversos princípios bíblicos.

Raízes

O liberalismo teológico começou a florescer de forma sistematizada devido à influência do racionalismo de Descartes e Spinoza, nos séculos 17 e 18, que redundou no iluminismo.4 O liberalismo opunha-se ao racionalismo extremado do iluminismo.

Na verdade, quando a igreja começa a flertar com o liberalismo e se render aos seus interesses, ela perde sua autoridade e deixa de ser embaixadora de Deus. A história tem provado que onde o liberalismo teológico chega a Igreja morre. Este é um aviso solene que deve estar sempre trombeteando em nossos ouvidos.

A baixa crítica

Conforme Gleason L. Archer Jr, “a ‘baixa crítica’ ou crítica textual se preocupa com a tarefa de restaurar o texto original na base das cópias imperfeitas que chegaram até nós. Procura selecionar as evidências oferecidas pelas variações, ou leituras diferentes, quando há falta de acordo entre os manuscritos sobreviventes, e pela aplicação de um método científico chegar àquilo que era mais provavelmente a expressão exata empregada pelo autor original”.5

A alta crítica

J. G. Eichhorn, um racionalista germânico dos fins do século 18, foi o primeiro a aplicar o termo “alta crítica” ao estudo da Bíblia. E, por esse motivo, ele tem sido chamado de “o pai da crítica do Antigo Testamento”. Segundo R. N. Champlin, “a ‘alta crítica’ aponta para o exame crítico da Bíblia, envolvendo qualquer coisa que vá além do próprio texto bíblico, isto é, questões que digam respeito à autoria, à data, à forma de composição, à integridade, à proveniência, às idéias envolvidas, às doutrinas ensinadas, etc. A alta crítica pode ser positiva ou negativa em sua abordagem, ou pode misturar ambos os pontos de vista”.6 Mas o que temos visto na prática é que esta forma de crítica tem negado as doutrinas centrais da fé cristã, em nome da ciência, da modernidade e da razão. O que fica evidente é que alguns críticos partem com o intuito de desacreditar a Bíblia, devido a alguns pressupostos naturalistas, chegando ao cúmulo de dizer que a Igreja inventou Jesus.

Conforme Norman Geisler “a alta crítica pode ser dividida em negativa (destrutiva) e positiva (construtiva). A crítica negativa, como o próprio nome sugere, nega a autenticidade de grande parte dos registros bíblicos. Essa abordagem, em geral, emprega uma pressuposição anti-sobrenatural”.7

Métodos aplicados a qualquer tipo de literatura passaram a ser aplicados também à Bíblia, com grandes doses de ceticismo (no que diz respeito à validade histórica e à integridade de seus livros), com invenções de entusiastas que tinham pouca base nos fatos históricos. Assim, onde vemos nas narrativas da Bíblia fatos sobrenaturais esta teologia lhes confere interpretações naturais, retirando da Palavra de Deus todas as intervenções miraculosas. Claramente é impróprio, ou mesmo blasfematório, nos colocarmos como juízes sobre a Bíblia.

Penosamente, a “alta crítica” tem empregado uma metodologia faltosa, caindo em alguns pressupostos questionáveis. E, devido aos seus resultados, ultimamente vem sendo descrita como “alta crítica destrutiva”. (para melhor compreensão, veja o quadro comparativo acima)8

C. S. Lewis, sem dúvida o apologista cristão mais influente do século 20, em seu artigo “A teologia moderna e a crítica da Bíblia”, tece os seguintes comentários:

“Em primeiro lugar, o que quer que esses homens possam ser como críticos da Bíblia, desconfio deles como críticos9 [...] Se tal homem chega e diz que alguma coisa, em um dos evangelhos, é lendária ou romântica, então quero saber quantas lendas e romances ele já leu, o quanto está desenvolvido o seu gosto literário para poder detectar lendas e romances, e não quantos anos ele já passou estudando aquele evangelho10 [...] os críticos falam apenas como homens; homens obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, espírito esse talvez insuficientemente crítico quanto às suas próprias conclusões11 [...] Os firmes resultados da erudição moderna, na sua tentativa de descobrir por quais motivos algum livro antigo foi escrito, segundo podemos facilmente concluir, só são ‘firmes’ porque as pessoas que sabiam dos fatos já faleceram, e não podem desdizer o que os críticos asseguram com tanta autoconfiança”.12

Prove e veja

Na Universidade de Chicago, Divinity School, em cada ano eles têm o que chamam de “Dia Batista”, quando cada aluno deve trazer um prato de comida e ocorre um piquenique no gramado. Nesse dia, a escola sempre convida uma das grandes mentes da literatura no meio educacional teológico para palestrar sobre algum assunto relacionado ao ambiente acadêmico.

Certo ano, o convidado foi Paul Tillich,13 que discursou, durante duas horas e meia, no intuito de provar que a ressurreição de Jesus era falsa. Questionou estudiosos e livros e concluiu que, a partir do momento que não existiam provas históricas da ressurreição, a tradição religiosa da igreja caía por terra, porque estava baseada num relacionamento com um Jesus que, de fato, segundo ele, nunca havia ressurgido literalmente dos mortos.

Ao concluir sua teoria, Tillich perguntou à platéia se havia alguma pergunta, algum questionamento. Depois de uns trinta segundos, um senhor negro, de cabelos brancos, se levantou no fundo do auditório: “Dr Tillich, eu tenho uma pergunta, ele disse, enquanto todos os olhos se voltavam para ele. Colocou a mão na sua sacola, pegou uma maçã e começou a comer... Dr Tillich... crunch, munch... minha pergunta é muito simples... crunch, munch... Eu nunca li tantos livros como o senhor leu... crunch, munch... e também não posso recitar as Escrituras no original grego... crunch, munch... Não sei nada sobre Niebuhr e Heidegger... crunch, munch... [e ele acabou de comer a maçã] Mas tudo o que eu gostaria de saber é: Essa maçã que eu acabei de comer... estava doce ou azeda?

“Tillich parou por um momento e respondeu com todo o estilo de um estudioso: ‘Eu não tenho possibilidades de responder essa questão, pois não provei a sua maçã’.

“O senhor de cabelos brancos jogou o que restou da maçã dentro do saco de papel, olhou para o Dr. Tillich e disse calmamente: ‘O senhor também nunca provou do meu Jesus, e como ousa afirmar o que está dizendo?”. Nesse momento, mais de mil estudantes que estavam participando do evento não puderam se conter. O auditório se ergueu em aplausos. Dr. Tillich agradeceu a platéia e, rapidamente, deixou o palco”.

É essa a diferença!

É fundamental considerar que tudo o que engloba a fé genuinamente cristã está amparado em um relacionamento experimental (prático) com Deus. Sem esse pré-requisito, ninguém pode seriamente afirmar ser um cristão. Seria muito bom se os críticos se atrevessem a experimentar este relacionamento antes de tecerem suas conjeturas. Se assim fosse, certamente se lhes abriria um novo horizonte para suas proposições e, quem sabe, entenderiam que o sobrenatural não é uma brecha da lei natural, mas, sim, uma revelação da lei espiritual.

Notas:

1 O fundamentalismo foi um movimento surgido nos Estados Unidos durante e imediatamente após a 1ª Guerra Mundial, a fim de reafirmar o cristianismo protestante ortodoxo e defendê-lo contra os desafios da teologia liberal, da alta crítica alemã, do darwinismo e de outros pensamentos considerados danosos para o cristianismo.
2 Adoração à Bíblia.
3 Segundo a comparação clássica entre Deus e o fabricante de um relógio, Deus, no princípio, deu corda ao relógio do mundo de uma vez para sempre, de modo que ele agora continua com a história mundial sem a necessidade de envolvimento da parte de Deus.
4 O Iluminismo enfatizava a razão e a independência e promovia uma desconfiança acentuada da autoridade. A verdade deveria ser obtida por meio da razão, observação e experiência. O movimento foi dominado pelo anti-sobrenaturalismo e pelo pluralismo religioso.
5 ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? Edições Vida Nova, p.54.
6 CHAMPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Vol 1. Candeia, p. 122.
7 GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. Editora Vida, p.113.
8 Ibid. p. 116.
9 MCDOWELL, Josh. Evidência que exige um veredicto. Vol 2. Editora Candeia, p.522.
10 Ibid., p.526.
11 Ibid., p.526.
12 Ibid., p.528.

13 Paul Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886, em Starzeddel, na Prússia Oriental, perto de Guben. Foi um teólogo-filósofo e representante do exist

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A LETRA MATA?

A marginalização do estudo teológico



Deus existe? Quem é Deus? Onde Deus está? Para onde vou após a morte? Existe céu? Existe inferno? Devo crer na Bíblia como Palavra de Deus?

Todos os cristãos que algum dia já se detiveram na reflexão destas simples, mas inquietantes interrogações, experimentaram, ainda que inconscientemente, momentos de meditações teológicas, pois a teologia é uma matéria importante e inerente a todos os crentes que, de forma inevitável, contemplam os mistérios da vida e as revelações divinas. 

Neste sentido estrito, podemos afirmar que todos os membros das nossas igrejas são teólogos, mesmo que ignorem ou até abdiquem desta condição. Se mergulharmos ainda um pouco mais no assunto, e num sentido mais amplo que o acima mencionado, poderíamos dizer que todo indivíduo de bom senso, que possua um conceito formalizado acerca de um ser divino superior, independente de seu credo, é um teólogo. Cada religião possui a sua “teologia”.




Definindo o termo




Mas, afinal, o que é teologia cristã?

Na perspectiva da teologia acadêmica e histórica, uma resposta objetiva e clássica seria: “fé em busca de entendimento”. Orientados por este significado, perceberemos que o genuíno desígnio da teologia acadêmica não deve ser o exame da Bíblia, de forma indiscriminada e leviana, para construir doutrinas que justifiquem uma crença. Muito pelo contrário, o teólogo cristão deve utilizar a teologia para compreender melhor aquilo que previamente expressa o texto bíblico, a despeito das suas crenças.




Os assassinos da letra



Não obstante a todas estas ponderações, não é difícil encontrar opositores do estudo teológico entre os mais diversos grupos religiosos. Em verdade, esse comportamento é peculiar em muitos deles. Entretanto e lastimavelmente, isso é constatado também no seio da igreja evangélica.

Geralmente, o texto áureo e justificativo desse posicionamento encontra-se nas conhecidas palavras do apóstolo Paulo, que dizem: “O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica” (2Co 3.6; grifo do autor). Eis aí a questão que lança os fundamentos para a hostilidade de alguns em relação ao estudo teológico.

Pois bem, se o apóstolo Paulo declara que a letra mata, então este fato é conclusivo. O que alguns precisam descobrir é quem de fato é essa “assassina”.

O que nos move a ressaltar este ponto é o fato de que essa “tal letra”, mencionada pelo apóstolo, tem sido alvo de distorções, prejudicando o desenvolvimento do ensino na igreja. É verdade que essa objeção ao estudo teológico é defendida por cristãos sinceros, mas que deliberaram marginalizar o estudo teológico acreditando ser uma atitude louvada pela Bíblia.

É curioso e contraditório, ao mesmo tempo. Mas o fato é que essa tal “letra que mata” vem tendo seu verdadeiro sentido também assassinado por alguns que a tentam interpretar. São aqueles a quem podemos chamar de “os assassinos da letra”. Se você, porventura, se identifica como um dos tais, por favor, não se ofenda! A verdade é que essa repulsa tem no mínimo duas razões para existir. Proponho refletir um pouco mais sobre estas duas questões e depois retornamos ao “homicídio espiritual causado pela letra”, o qual supostamente Paulo teria apregoado.





A marginalização da teologia




Quais seriam os fatores que cultivam esta marginalização?

Antes de qualquer palavra, é fundamental esclarecer que não é nossa finalidade aqui censurar a devoção autêntica de nossos irmãos. A sinceridade de sua fé não está em discussão. Até porque, um dos fatores que mais ajudam a alimentar a rejeição da teologia encontra raízes nos próprios teólogos.

Conversando com uma missionária, algum tempo atrás, fui interpelado com uma questão que, de certa forma, reflete o julgamento de muitos membros de igrejas em relação à teologia. Ela questionava por que os teólogos são tão apáticos em sua piedade e testemunho cristão. Não quero aqui entrar em méritos, como, por exemplo, discutir essa generalização injusta ou o que está escondido atrás do conceito de apatia. Todavia, e inegavelmente, não se exige muitos esforços para identificar comportamentos teológicos que instigam a rejeição da teologia. Esse estereótipo pejorativo parece ser preservado por alguns poucos teólogos, mas acabam por macular toda a classe. O orgulho intelectual, a racionalização vazia, as conjeturas e especulações são tidos como alguns frutos nocivos da teologia. E se torna mais grave ainda quando tais frutos são vindos de pessoas que conhecem as Escrituras e que por isso deveriam proceder totalmente ao contrário.

Contudo, em detrimento deste comportamento que, sabemos, não atinge os teólogos comprometidos com a Palavra de Deus, existem ainda outras objeções alicerçadas no desconhecimento bíblico. Logicamente, é muito mais confortável escolher os mitos e as lendas do que cultivar uma fé racional, pois esta vai exigir uma atitude trabalhosa em busca do conhecimento, enquanto que aquelas conservam os fiéis na inércia, fazendo-os concordar, sem qualquer exercício mental, com tudo o que ouvem. Como disse o grande teólogo Agostinho: “Deus não espera que submetamos nossa fé sem o uso da razão, mas os próprios limites de nossa razão fazem da fé uma necessidade”. Eis aqui o matrimônio entre a fé e a razão!

Outro fator a ser considerado é que o estudo teológico é marginalizado porque ele incomoda, é inconveniente. É como se fosse uma pedra no sapato dos manipuladores da Bíblia. Quanto menos conhecimento as pessoas possuírem, mais facilmente serão controladas. É um comportamento assumido pelas seitas, nas quais o líder se encarrega de pensar pelos adeptos e implanta um método sutil de controle total.

Enquanto a teologia se opor aos modismos e ventos de doutrinas que não coadunam com a Palavras de Deus e que levam muitos crentes à fantasias místicas e subjetivas que beiram à heresias, ela continuará sendo menosprezada.




A letra mata?




Retomando a questão, mas respeitando seu contexto bíblico, alertamos que a letra a que Paulo se referiu não pode ser identificada como sendo o estudo (conhecimento) teológico. Até porque o apóstolo era um dos doutores da igreja (At 13.1) e jamais poderia pensar assim. Acreditamos que são dispensáveis aqui quaisquer comentários sobre a erudição e a aplicação de Paulo aos estudos. Isso é uma prova cabal dos benefícios da educação teológica!

Acerca de Coríntios 2.6, Paulo estava falando sobre a superioridade da nova aliança sobre a antiga. A morte causada pela letra realmente é espiritual, porém, é bom salientar que se trata de uma alusão ao código escrito da lei mosaica. A lei mata porque demanda obediência irrestrita, mas não proporciona poder para isso. É representada pelas tábuas de pedra (3.3). Por outro lado, o espírito vivifica porque escreve a lei de Deus em nossos corações, trazendo-nos a vida em medida muito maior do que realizava sob a antiga aliança. É representado pelas tábuas da carne (3.3). Portanto, como podemos ver, o texto comentado não fundamenta, em qualquer instância, a rejeição aos estudos teológicos.




Por que teologia?




Os teólogos leigos, ainda que inconscientemente, se beneficiam da educação teológica. Criticam o estudo teológico, mas lançam mão dele. Todo o legado doutrinário que usufruímos hoje foi preservado por causa do zelo impetrado pelos teólogos que formalizaram a fé por meio de credos, confissões e outras obras. As doutrinas cristãs sobreviveram ao tempo porque o Espírito Santo se encarregou de inspirar e levantar teólogos comprometidos com a fé! O estudo da teologia é um instrumento indispensável para o saudável desenvolvimento da Igreja. Todos nós precisamos da teologia!

Os teólogos leigos deveriam reconhecer o auxílio que recebem dos teólogos acadêmicos e as duas classes representadas, de mãos dadas, deveriam seguir o conselho de Pedro, um teólogo que não possuía a erudição de Paulo, mas que conseguiu equacionar a questão ordenando o crescimento na graça e no conhecimento, concomitantemente (2Pe 3.18).

Dessa forma, o evangelho sairá ganhando e cada membro da igreja estará no seu posto, lapidando o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação do corpo de Cristo, segundo o ministério que lhe for confiado por Deus (Ef 4.11,12).

Sobretudo, e finalmente, nosso desejo e oração é para que consigamos aplicar a teologia à nossa vida. Se fracassarmos neste intento, a teologia não será mais que mera futilidade.

Que o Senhor nos guie ao genuíno conhecimento de suas revelações, pelo seu amor e para a sua glória!





                               


    A IMPORTÂNCIA DA TEOLOGIA NA APOLOGÉTICA



Já há algum tempo, o renomado apologista Jan Karel Van Baalen, em sua importante obra, O caos das seitas, nos alertou acerca de um problema que a igreja evangélica no mundo vem enfrentando. Notadamente, Van Baalen ressalta o desconhecimento das doutrinas bíblicas fundamentais por parte dos cristãos em contraposição ao empenho incansável dos adeptos das seitas no estudo metódico de suas doutrinas e também das doutrinas daqueles a quem pretendem convencer. Todo aquele que já teve a experiência de dialogar com um sectário pôde perceber que ele domina os fundamentos de sua crença, e também a doutrina dos divergentes. Raramente esse quadro é pintado de outra forma.

Confirmando os apontamentos de Van Baalen, verificamos que muitos membros de nossas igrejas se esquivam da abordagem aos adeptos de seitas pela admitida incompetência de dialogar com eles, a fim de ganhá-los para Cristo. Paulo, entretanto, observou a importância do estudo bíblico quando recomendou: “Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes”(Tt 1.9; grifo do autor).

A expressão “a fiel palavra, que é conforme a doutrina” pode ser interpretada como um fruto gerado pelo conhecimento teológico. E a expressão “convencer os contradizentes”, pode ser interpretada como um ato de evangelizar pessoas que professam uma fé distinta do genuíno cristianismo.

Será que somos hábeis em conduzir um sectário a Jesus por meio da Bíblia? Qual é a importância da teologia na apologética? Vejamos:

A relação entre a teologia e a apologética

A apologética cristã é uma disciplina da teologia cuja finalidade é defender os princípios bíblicos por ela (teologia) expressos. Assim, a apologética visa combater os desvios doutrinários identificados nas diversas disciplinas teológicas, especialmente nas doutrinas essenciais, como a natureza divina (Pai, Filho e Espírito Santo) e a encarnação, morte e ressurreição de Cristo, entre outras.

Observando esta relação, podemos concluir que a apologética atua em função da teologia. É porque os princípios doutrinários existem e são distorcidos que a apologética é necessária. Logo, todos os elementos da apologética dependem e convergem para a teologia. Com isso em mente, entendemos que a apologética será conduzida de acordo com a teologia que quer defender. Portanto, se alguém possuir algumas doutrinas distorcidas como base, sua apologética seguirá a mesma tendência. Diante destes pressupostos, vejamos algumas categorias da apologética e como essas categorias se relacionam com as doutrinas teológicas:

Apologética clássica

Este tipo de abordagem trabalha com o principal pressuposto teológico, isto é, a existência de Deus. É essa linha apologética que vai explorar os argumentos comprobatórios da existência divina. Os principais argumentos são:

a.) Cosmológico: uma vez que cada coisa existente no Universo, deve ter uma causa, deve haver um Deus, que é a última causa de tudo.

b.) Teleológico: existe um objetivo, um propósito para a criação do Universo e do ser humano.

c.) Ontológico: Deus é maior do que todos os seres concebidos porque existe na mente do homem um conhecimento básico da existência de Deus.

Os teólogos que se destacaram como apologistas clássicos foram: Agostinho, Anselmo de Cantuária e Tomás de Aquino.

Apologética evidencial

Como já podemos inferir do próprio nome, esta linha apologética procura defender as doutrinas teológicas ressaltando as evidências que as envolvem, tais como: a infalibilidade da Bíblia, a veracidade da divindade de Cristo e sua ressurreição, entre outras. Um teólogo que representa bem esta classe de apologistas em nossos dias é Josh McDowell, autor do livro (um best seller) Evidências que exigem um veredicto.

Apologética histórica

Esta classe de apologética enfatiza as evidências históricas. Seus representantes acreditam que a existência de Deus pode ser provada com base apenas na evidência histórica, porém, isso não significa que não lancem mão de outros artifícios. Geralmente, o fundamento deste tipo de abordagem são os documentos do Novo Testamento e a confiabilidade de suas testemunhas. Podemos encontrar teólogos expoentes da apologética histórica nos primórdios da igreja, como Justino Mártir e Tertuliano.

Apologética experimental

Este tipo de apologética, geralmente, é apresentada por fiéis que arrogam para si experiências religiosas pessoais e, às vezes, exclusivas. Assim, alguns apologistas rejeitam este tipo de abordagem por seu caráter excessivamente místico e alegam que tais experiências são comprobatórias apenas para os que nelas crêem ou delas compartilham. Em suma, a apologética experimental se apóia na experiência cristã como evidência do cristianismo e está relacionada à teologia do leigo; ou seja, à teologia que não é acadêmica, mas popular.

Um ponto negativo desta abordagem é que ela se apresenta de forma um tanto quanto subjetiva. Ou seja, é difícil sentenciá-la como verdade ou fraude. O seu ponto positivo, porém, é que a nossa crença precisa, de fato, ser vivida, experimentada, do contrário não passará de teoria.

Apologética pressuposicional

Esta abordagem é chamada assim porque parte de uma pressuposição para construir sua defesa... O “pressuposicionalismo” pode ser assim classificado:

a.) Revelacional: todo o entendimento da verdade parte da pressuposição da revelação de Deus e da legitimidade da Bíblia em expor esta revelação.

b.) Racional: a pressuposição básica gira em torno da coerência do argumento. Se o cristianismo arroga para si a posição de única verdade, então isso implica em dizer e provar que todos os demais sistemas são falsos.

c.) Prático: a pressuposição aqui é a de que somente as verdades cristãs podem ser vividas.

Os teólogos que se destacaram como apologistas “pressuposicionalistas” foram: Cornelius Van Till e John Carnell.

A teologia como um baluarte contra o erro

Como podemos confirmar, independente do tipo de apologética que esteja sendo exercido, o fato é que todas se relacionam com os fundamentos da teologia.

Sabemos que a grande ocorrência da apostasia em nosso meio envolve seitas pseudocristãs, ou seja, aquelas que mais se assemelham com o cristianismo. Isto se deve ao emprego distorcido dos fundamentos teológicos facilmente aceitos entre os crentes incautos. É como se fosse um disfarce do cristianismo, uma maquiagem para a verdade cristã.

Quando um crente encontra-se desabilitado para defender sua fé, ele fatalmente está propenso ao engano. Disse Charles Hodge: “Que ninguém creia que o erro doutrinário seja um mal de pouca importância. Nenhum caminho para a perdição jamais se encheu de tanta gente como o da falsa doutrina”. A tragédia espiritual de inúmeros crentes é que eles não atentam para isso!

O apologista Walter Martin também alertou que é conhecendo a verdadeira nota que conseguimos identificar a falsa. É possível ser um teólogo e não ser apologista, embora isso não seja plausível. Entretanto, é impossível ser um apologista sem ser um teólogo! O conhecimento das doutrinas fundamentais da Bíblia é o maior baluarte contra o erro. Todo o engodo está na deturpação das Escrituras, na distorção da doutrina. Uma teologia voltada para a apologia certamente evitaria os modismos que têm causado escândalo entre os evangélicos em nosso país. Vejamos o que o apóstolo Paulo orientou a Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina. Persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1Tm 4.16; grifo do autor). A Tito, ele declarou: “Em tudo, te dá por exemplo de boas obras; na doutrina, mostra incorrupção, gravidade, sinceridade” (Tt 2.7; grifo do autor).

O nosso desejo e oração é para que, assim como Paulo, os líderes de nossas igrejas também se dediquem em orientar e conscientizar seus colaboradores sobre a importância da teologia na defesa da fé de seus membros. Somente assim, e com o auxílio do Espírito Santo, conseguiremos manter singelas as verdades eternas da Palavra de Deus


FONTE  ICPC


Igreja emergente, a igreja do Pós-modernismo? - parte 1



Uma avaliação provisória



RESUMO


Este artigo procura fazer uma análise preliminar do movimento denominado “igreja emergente” e identificar quais são as principais influências que recebeu. Ainda que seja difícil definir o movimento, por causa de suas características pós-modernas, essa é a primeira proposta do artigo. Após uma definição preliminar, o autor apresenta a origem e representatividade do movimento, além de suas principais características, analisando a sua filosofia pelos olhos dos seus principais proponentes. As características mais destacadas do movimento resumem-se em suas atitudes de pluralismo e protesto, demonstradas através de sua definição missional, uso da linguagem, expressão de culto e pregação.


PALAVRAS-CHAVE

Igreja emergente; Pós-modernismo; Metanarrativa; Pluralismo; Cultura; Inclusivismo; Missional; Contemplativo; Paganismo.

INTRODUÇÃO

Há alguns meses, se eu ouvisse a expressão “igreja emergente” certamente pensaria que se tratava de algum estudo sobre a igreja neotestamentária nos primeiros séculos da era cristã. Hoje, depois de pensar que estive fechado em um quarto sem receber notícias do mundo por vários anos, sei que a igreja emergente é um movimento em expansão dentro da igreja evangélica nas duas últimas décadas. O chamado movimento da igreja emergente já tem até mesmo uma associação brasileira, fundada informalmente em janeiro de 2006, nos seguintes termos:
Convenção Brasileira de Igrejas Emergentes: Foi iniciada no dia 2 de janeiro de 2006, com apoio da Emergent Village dos EUA, a Convenção Brasileira de Igrejas Emergentes, com o propósito de apoiar pessoas que desejam iniciar novas Igrejas no Brasil, proporcionar contatos de líderes brasileiros com líderes americanos e fornecer material para pessoas interessadas em Igrejas Emergentes. Após o resultado de pesquisas feitas no Brasil, foi possível detectar algumas pessoas que já estão a par do assunto e ansiosas para iniciarem uma Igreja Emergente. Com isso a nossa Convenção deseja contatar com algumas delas para começar uma conversação sobre o assunto e proporcionar apoio para as mesmas. Se você deseja nos apoiar e ser apoiado, entre em contato conosco: igrejaemergente@hotmail.com . 1
 Já se encontra disponível uma bibliografia relativamente extensa sobre o assunto,2  especialmente em inglês, e também alguns poucos artigos em periódicos teológicos. Existe um notável interesse por parte de estudiosos quanto ao movimento, analisando-o e buscando as pontes para uma aproximação. 3Provavelmente a obra mais completa sobre o assunto foi publicada por dois professores do Fuller Theological Seminary, Eddie Gibbs e Ryan Bolger, sob o título Emerging churches, um projeto de pesquisa que durou cinco anos e abrange os Estados Unidos da América e o Reino Unido. 4
Os autores reconhecem que o movimento extrapola a área geográfica a que dedicaram a pesquisa e admitem que não teriam como realizar uma pesquisa mais extensa do que a apresentada. Sua abordagem do movimento é simpática e positiva. Já D. A. Carson, em seu texto Becoming Conversant with the Emerging church: Understanding a Movement and its Implications, tem uma abordagem mais cautelosa, apontando alguns pontos positivos e tecendo longos comentários sobre os perigos que o movimento representa para a fé cristã bíblica. A pesquisa de Carson, ao contrário da realizada por Bolger e Gibbs, é bibliográfica e concentra-se de modo especial no aspecto filosófico do movimento.

A intenção deste artigo é: (1) entender, ainda que de maneira introdutória, o movimento da igreja emergente a partir da bibliografia sobre o assunto e (2) avaliar a influência desse movimento e seus princípios no contexto brasileiro.

1. DEFINIÇÃO

Por ser um movimento característico da pós-modernidade, a igreja emergente é difícil de ser definida e alguns autores até mesmo hesitam em dizer que ela pode ser caracterizada como um movimento.5  Os próprios envolvidos preferem se caracterizar como uma “conversação” emergente. Há que se lembrar que o pós-modernismo é caracterizado pela negação da possibilidade de qualquer metanarrativa abrangente.6  No ambiente pós-moderno o pluralismo relativista domina o cenário das ideias, negando a possibilidade de um único caminho,7  a possibilidade de regras fixas. As características de fluidez, imprecisão e falta de um padrão que possa abranger todas as comunidades que se reconhecem como emergentes tornam a tarefa da definição ainda mais difícil. Por outro lado, é impossível deixar de observar que um número cada vez maior de comunidades com origens dentro do cristianismo chamam a si mesmas de emergentes. Seguindo a tese de Carson – “sempre que surge um movimento cristão que se apresenta como reformista ele não deve ser sumariamente descartado” 8 –, faz-se necessário um esforço na busca de compreender o que caracteriza de fato esses movimentos emergentes.

No que diz respeito à história, Gibbs e Bolger afirmam que o termo igreja emergente foi usado pela primeira vez por Karen Ward (Igreja dos Apóstolos, Seattle), quando ela criou um site na Internet denominado EmergingChurch.org. 9

Segundo os autores, não havia qualquer intenção de se criar um movimento cristão com esse ato, mas foi assim que o nome terminou sendo empregado. A intenção de Ward era somente manifestar a sua inquietude e frustração com a igreja evangélica no início dos anos 90. Já no final daquela década, Brian McLaren, um dos nomes mais reconhecidos dentro do movimento,10  começou a usar o termo “emergente” em seus livros, especialmente quando escreveu A Generous Orthodoxy. Para McLaren era necessário que a igreja descobrisse e desenvolvesse uma ortodoxia diferente da ortodoxia praticada pela igreja evangélica durante o período do modernismo. Era necessário, segundo ele, desenvolver uma ortodoxia generosa em oposição à ortodoxia inflexível do período moderno. Ele afirma:
O significado de emergente é uma parte essencial do ecossistema da ortodoxia generosa... Pense em um corte transversal numa árvore. Cada anel representa, não a substituição dos anéis anteriores, não a sua rejeição, mas a sua adoção, a sua inclusão em algo maior. 11
Segundo esse autor, a ideia de uma “ortodoxia generosa” seria a expressão mais abrangente do conceito de cristianismo, uma expressão inclusivista/pluralista, característica da Pós-modernidade  e, portanto, um sistema cristão adaptado ao seu tempo. Cabe destacar que a proposta de McLaren aponta para uma mudança profunda do que estava acontecendo até então no meio evangélico, o reflexo de uma nova mentalidade que está se consolidando na Pós-modernidade. Ainda que se encontrassem grandes diferenças entre as comunidades cristãs no período moderno, as propostas do cristianismo evangélico das décadas de 80 e 90 do século passado eram basicamente diferenciadas pelas características daquela geração. Ainda que valores estéticos e teológicos fossem diferentes, havia a possibilidade de identificação pontual dessas diferenças, ou seja, o cerne ainda permanecia o mesmo. 

Essas diferenças se davam mais por estilo e estrutura teológica do que por uma abordagem filosófica da vida como um todo. Necessitando adaptar-se ao seu tempo, as igrejas consideradas evangélicas tinham confissões bíblicas diferentes e estilos de culto, música, pregação e eclesiologia que eram destinados a diferentes públicos, mas mantinham uma base comum. Nesse período formou-se a “igreja dentro da igreja”,13  para satisfazer anseios de gerações diferentes, mas ainda era a mesma igreja. Várias dessas comunidades passaram a enfatizar os ministérios para jovens adultos, a adotar estilos “com propósitos”, modelos de igreja em células e tantas outras propostas surgidas nesse tempo. 14 No entanto, Dan Kimball defende que esses modelos tiveram um tempo curto de duração e tornavam-se rapidamente insatisfatórios. 15 Para ele, a igreja precisava aprender a falar uma linguagem totalmente nova, com o fim de alcançar a geração pós-moderna. Só uma mudança de estilos de culto não mais seria suficiente para alcançar a nova geração. Confirmando essa perspectiva, uma das obras de Mclaren reivindica “um novo tipo de cristão”, o cristão pós-moderno. 16

Nesse livro, McLaren apela claramente aos cristãos a que abracem o pós-modernismo e se adaptem à maneira pós-moderna de pensar. 17 Dentro desse espírito, para alguém ser emergente ele deve negar, inclusive, a necessidade de uma declaração de fé e qualquer forma que sugira um dogma comum.No site emergent-us, um dos links na página inicial é “Declaração de Fé(?)”, onde Tony Jones, o coordenador nacional, explica que a ideia de ter uma declaração de fé é “trilhar uma estrada pela qual não queremos andar”.18  Logo, estamos diante de algo que existe como um movimento, mas, ao mesmo tempo, pela sua fluidez de suas propostas, é essencialmente caracterizado pela ambiguidade.

Essa marca se evidencia claramente no livro de Kimball, Emerging church, prefaciado tanto por Rick Warren quanto por Brian McLaren. Enquanto Warren, um líder do cristianismo reconhecidamente moderno, prefacia o livro apontando para a proposta de Kimball como um novo estilo que mantém a essência do que é ser igreja, segundo o seu conceito, culto, comunhão, discipulado, ministério e evangelismo, McLaren inicia a sua contribuição dizendo que “frequentemente trocamos um conjunto de estilos, métodos rígidos e tradicionais, e formas de pensar por outros ‘contemporâneos’ e igualmente rígidos”.19  Segundo McLaren.
Nossa compreensão do evangelho muda constantemente à medida que nos engajamos na missão em nosso mundo complexo e dinâmico, à medida que descobrimos que o evangelho tem um rico caleidoscópio de significados a oferecer, abrindo-nos camadas inexploradas de profundidade, revelando facetas não contadas de percepção e relevância.20
Dessa forma, a ambivalência do pensamento é prontamente aceita e até celebrada pelos líderes do movimento. Um site emergente em português responde a pergunta “O que é igreja emergente?” da seguinte forma:
A igreja emergente é um movimento da igreja protestante, iniciado por americanos e ingleses, com a finalidade de alcançar a geração pós-moderna. Refletindo as necessidades e os valores percebidos desta geração, as igrejas emergentes enfatizam o autêntico, a expressão criativa e uma perspectiva sem julgamentos, procurando reavaliar as doutrinas (ecclesia reformata, semper reformanda...). Igreja emergente é simplesmente um termo usado para denominar as igrejas que nasceram ou que foram [re]estruturadas para um contexto pós-moderno, pós-cristão de ser igreja no mundo de hoje. 21
Podemos então, provisoriamente, definir a igreja emergente como uma reação ao cristianismo do período moderno sob a pressuposição de que o cristianismo, como se desenvolveu no modernismo, tornou-se arcaico e irrelevante para a geração contemporânea. É um movimento de reação à igreja moderna. Pode-se dizer que o termo igreja emergente é
usado de maneira conveniente para descrever movimentos similares ou relacionados que surgiram na última década e que tendem a pensar em sintonia com as mudanças propostas pelo pós-modernismo dentro do campo das artes, da literatura e do discurso público.22
Positivamente, as comunidades emergentes são missionais  e buscam, basicamente, servir dentro de seu tempo e cultura. Pesa contra a definição acima o fato de que alguns que se consideram emergentes facilmente podem tentar desautorizá-la, dizendo que são diferentes do proposto acima ou que líderes do movimento afirmam outra coisa. Pesa a favor da definição o fato de que uma caracterização plena é praticamente impossível à luz do que a própria “emergência” significa, ou seja, fluidez e até mesmo inconsistência lógica. Logo, expressões como “não somos assim” ou “esses pontos são questionáveis” serão comuns diante de qualquer tentativa de definição do movimento. Cabe salientar que o movimento possui manifestações desde as mais brandas até as mais radicais, ora lidando com um “formato” do cristianismo, ora lidando com a essência do cristianismo.

 ORIGENS E REPRESENTATIVIDADE


A epistemologia da igreja emergente, ou seja, a forma como conhecemos as coisas, é essencialmente voltada para a experiência. Esse é um aspecto que, segundo Carson, contrasta com a epistemologia do período moderno, pois no pós-modernismo “muito do que ‘sabemos’ é moldado pela cultura na qual vivemos, é controlado pelas emoções, valores estéticos e herança.” 24

Esse conceito aplicado ao movimento do presente estudo implica que não é possível ser emergente ser ter uma experiência emergente. Logo, uma das tônicas do movimento é que antes de ser, primeiro é fundamental pertencer. A comunidade projeto242, existente no Brasil, traz a seguinte proposta comunitária: “Queremos oferecer às pessoas um local onde elas possam se sentir parte antes mesmo de acreditar.”25  Essa abordagem pragmática, fundamentada na experiência, faz com que a análise do movimento apele para relatos pessoais de suas experiências emergentes.

Geograficamente o movimento teve origem no Reino Unido, ligado a uma cultura fundamentada na experiência, a cultura clubber. Essa cultura, na verdade uma subcultura, é caracterizada pela migração dos jovens suburbanos para o centro das cidades durante os fins de semana, buscando um significado tribal para a existência. Os ajuntamentos de jovens dentro dessa subcultura propiciaram o aparecimento de “tribos” cristãs"26  entre a população, e estes, por sua vez, produziram movimentos que, mais tarde, passariam a identificar-se como emergentes. Na Inglaterra, onde a expressão do cristianismo evangélico tradicional é muito pequena e a frequência à igreja está entre 2 e 3% da população,27  a igreja emergentetornou-se rapidamente uma expressão importante.

A influência do movimento dentro da cultura norte-americana deu-se em um contexto bem diferente, ou seja, dentro do contexto de uma subcultura cristã já existente. Nos anos 80 desenvolviam-se no meio da igreja evangélica norte-americana as igrejas GEN-X, ou geração X, equivalente à geração “coca-cola.”28  Esse movimento caracterizava-se por comunidades em que o culto oferecia música em alto volume, vida apaixonada, pregação informal, relacionamentos friends e mais adiante a presença de expressões artísticas no culto, inclusive cerimônias à luz de velas. 29 Todavia, esse formato de igreja e culto não se mostrou efetivo no alcance da geração pós-moderna. Para tanto, seria necessário um passo a mais.

Essa necessidade está, supostamente, sendo atendida mediante o surgimento das comunidades emergentes, cuja proposta é proporcionar um “retorno refrescante a um ministério focalizado em Jesus, essencialmente sagrado e voltado para a experiência de cada pessoa”. 30
Dessa forma, os líderes do movimento preferem divulgar as suas ideias através de histórias ou relatos pessoais, pois segundo eles essa foi uma marca fundamental do desenvolvimento do cristianismo. Normalmente a espiritualidade é abordada como uma caminhada ou viagem espiritual e na literatura as ideias são expressas pela boca de diferentes personagens e diálogos. O subtítulo do livro de McLaren, ANew Kind of Christian, é “um conto de dois amigos em uma jornada espiritual”. Vários líderes preferem chamar o movimento de uma “conversação emergente.” Um desses relatos típicos pode ser encontrado no testemunho de Dan Kimball, autor de The emerging church,31  considerado um dos líderes do movimento.

Kimball relata a sua luta em busca de respostas para o motivo pelo qual a igreja “seeker friendly” (ou seja, “adaptada ao usuário” ou “orientada para o consumidor”) 32 deixou de satisfazer e de ser efetiva para a geração nascida na pós-modernidade. Ele era pastor de uma igreja com características da geração X nos anos 80 e durante um bom tempo aplicou as técnicas e modelos de uma igreja tipicamente moderna. Cabe observar que ele obteve considerável sucesso naquela empreitada em termos de padrões numéricos.

Normalmente essas igrejas eram fundadas e sustentadas por megaigrejas e usadas como um braço para atender a demanda jovem. No entanto, Kimball começou a perceber que os programas e projetos que havia desenvolvido de modo eficaz durante algum tempo já não eram mais eficientes. Ele afirma ter observado que tanto o conteúdo quanto a forma de seus projetos não comunicavam muita coisa à geração jovem pós-moderna e isso fez com que ele se lançasse à busca de formas alternativas de ministério.
Foi nesse contexto  que ele fundou a Vintage Faith Community Church33“desenhada” com o fim de ser atraente para a geração pós-moderna, não só empregando estratégias, mas pensando de maneira pós-moderna. Os critérios de avaliação do sucesso dessa igreja emergente deixaram de ser numéricos e passaram a ser missionais, como será visto mais adiante. 34

As expressões do movimento se desenvolvem de maneiras variadas. Mais recentemente, Brian McLaren abriu um site em que o nome igreja não está presente – emergent-US (emergent-us.typepad.com). Esse site tornou-se uma espécie de centro de comunicações e divulgação de eventos, palestras e mensagens do movimento. Ali são publicadas várias viagens nas quais os líderes emergentes, incluindo McLaren, têm andado por toda a Europa, Estados Unidos, Austrália e vários outros paises divulgando as suas ideias. Anualmente, nos Estados Unidos, acontece a Convenção Nacional de Pastores, que reúne quase dois mil participantes. Um número significativo deles participam de uma linha do evento orientada para líderes que se consideram emergentes ou estão interessados nessas ideias. 35
Outro grande movimento ligado à igreja emergente e seus líderes é Fusion Conference, uma conferência específica para cristãos entre os 20 e 30 anos que ocorre em três estados norte-americanos diferentes e reúne mais de 1800 líderes e jovens sob o lema “fé + vida”.36  Tendo ideia da origem e representatividade do movimento, há que se observar suas características.


Igreja emergente, a igreja do Pós-modernismo? - parte 2


Uma avaliação provisória


Continuação da Parte 1
 

 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Carson afirma que a igreja emergente é essencialmente um movimento “de dentro” e se opõe à igreja evangélica tradicional característica das últimas décadas do século 20. Na visão dos líderes emergentes aquela forma de ser igreja é cativa dos conceitos do absolutismo da era moderna e o movimento emergente veio trazer a liberdade necessária para um cristianismo relevante na pós-modernidade. 37 Logo, uma das marcas principais do pensamento emergente é a aversão ao absolutismo, ou seja, a forma de pensar do modernismo, que admite o conceito de verdade absoluta com bases fundacionalistas. Consequentemente, esse movimento apresenta uma série de características comuns, algumas das quais são relacionadas abaixo.

1 Pluralismo

Como foi dito anteriormente, a questão central nesta discussão envolve categorias epistemológicas. A proposta emergente enfatiza os sentimentos e afeições sobre o pensamento linear e a racionalidade; a experiência em contraposição à verdade; a inclusão ao invés da exclusão; a participação em contrapartida ao individualismo. Essas seriam as bases para afastar a crença cristã na verdade “absoluta” e levar à autenticidade, ao “novo tipo de cristão”, pregado por McLaren. Assim, a característica dominante da igreja emergente é a não afirmação de absolutos e a aceitação das diferenças, a saber, a marca fundamental do pluralismo pós-moderno.
Grande parte das obras escritas pelos líderes emergentes demonstra o tipo de pluralismo desejado. O subtítulo do livro de McLaren, A Generous Orthodoxy, revela o espírito que projeta a sua teologia:
Por que sou um cristão missional, evangélico, pós-protestante, liberal-conservador, místico-poético, bíblico, carismático-contemplativo, fandamentalistacalvinista, anabatista-anglicano, metodista, católico, verde, encarnacional, deprimido-mas-esperançoso, emergente e inacabado.
Cada uma dessas expressões transforma-se em título de um dos capítulos do livro de McLaren, no qual ele aplica as categorias do que chama de "pensamento emergente". Segundo ele, o relativismo e o pluralismo filosófico não permitem que o cristão permaneça fiel à Escritura. Por outro lado, o pensamento moderno está morto e as críticas ao absolutismo modernista são muito fortes, sem possibilidade de serem combatidas. A única saída, segundo ele, é o pensamento emergente da ortodoxia generosa, como citado anteriormente: "Pense em um corte transversal numa árvore. Cada anel representa, não a substituição dos anéis anteriores, não a sua rejeição, mas a sua adoção, a sua inclusão em algo maior".
Nesse sentido, no pensamento emergente nunca se chega a um ponto final, mas emerge-se em algo novo, sempre plural, sempre inclusivo. Simon Hall, líder da comunidade Revive, em Leeds, Reino Unido, afirma:
Meu alvo para a comunidade não é ser "pós" tudo. Nós somos evangélicos e carismáticos e liberais e ortodoxos e contemplativos e ligados à justiça social e ao culto alternativo.
Essa postura ilustra claramente o tipo de pluralismo almejado nessas comunidades.


2 Protesto

A marca do pluralismo leva o movimento emergente a uma posição de protesto. Praticamente toda a sua liderança vem de dentro da base do cristianismo evangélico tradicional e fundamentalista e manifesta o seu descontentamento com a instituição de origem. Da mesma forma como vimos a respeito de Kimball e sua percepção descontente com a igreja tradicional, Mike Yaconelli editou Stories of Emergence: Moving from Absolute to Authentic (Histórias de emergência: movendo-se do absoluto para o autêntico). No livro, encontram-se narrativas de vários líderes emergentes que possuem um tom semelhante: a autenticidade não estava presente na igreja. O próprio nome da igreja de Kimball reflete essa ideia, pois Vintage significa algo genuíno, de qualidade, em oposição à igreja "enlatada" e supostamente não genuína do século 20. Para McLaren o que os evangélicos precisam é do novo cristão, de uma nova forma de seguir a Jesus que emerge dos escombros do cristianismo dividido por lutas teológicas, da negligência das responsabilidades sociais e da tirania do capitalismo conservador da modernidade. Para ele,
Cada um desses novos desafios [da pós-modernidade] requer que os líderes cristãos criem novas formas, novos métodos, novas estruturas – e requer deles que encontrem novo conteúdo, novas ideias, novas verdades e novo significado que sustente os novos desafios. As novas mensagens não são incompatíveis com o evangelho do reino que Jesus ensinou. Não, elas são inerentes a ele, mas previamente eram não descobertas, não expressas, talvez não imaginadas.
O conceito de uma cosmovisão integral com valores objetivos e absolutos é impossível de ser vivido de maneira coerente e relevante nos tempos da pós-modernidade. O protesto, então, é resultado da forma incoerente como vive o cristianismo que se diz bíblico. Esta inquietação é relatada quando McLaren diz que
Através desses anos [de ministério] um sentimento desconfortável começou a me mostrar que o retrato de Jesus que eu encontrei no Novo Testamento não se encaixava com a imagem do cristianismo projetada pelas instituições religiosas, tele-evangelistas carismáticos, representantes religiosos na mídia – e, às vezes, minha própria pregação.
Carson expõe o protesto do movimento emergente em três frentes: protesto contra a igreja evangélica tradicional, contra a forma como interpreta o modernismo e contra a igreja "seeker-sensitive". Além dos três pontos observados por Carson, destaco o protesto contra os conceitos de autoridade e hierarquia. É comum encontrar nos relatos emergentes a noção de que as estruturas eclesiásticas do modernismo e suas hierarquias são antibíblicas. Em igrejas emergentes não se encontram pastores "efetivos" ou principais. Até mesmo na liderança do movimento encontra-se o constante debate. Quando Tony Jones foi apontado como diretor nacional do site emergent-US, houve grande debate e acusações de que o movimento estaria caminhando para aquilo que ele negava em sua essência: estruturas hierárquicas. Depois do debate o seu título foi mudado para "coordenador nacional" do movimento emergent-US.
Esse perfil de protesto marca o movimento como desconstrucionista. A igreja evangélica no final do século 20 precisa ser desconstruída para ser reconstruída, a começar dos conceitos de verdade absoluta que a mesma mantém. Para Kimball a igreja vive um momento de transição entre o modernismo e pós-modernismo e isto exige que as bases do cristianismo moderno sejam realinhadas para a geração pós-moderna. O cristianismo do modernismo é fundamentado no monoteísmo racional e na religião proposicional, com uma sistemática local e uma verdade individualista. Já na era pós-moderna o cristianismo se fundamentará no pluralismo experimental, na narrativa mística, fluida, global, e na preferência comunal/tribal. Quanto mais as gerações se afastam do modernismo, menos terão condições de compreender as propostas do cristianismo daquela época. Logo, afirmam Gibbs e Bolger:
As igrejas emergentes estão diante de uma tarefa formidável à medida que se esforçam para distinguir entre as partes da vida da igreja que tem as suas raízes na cultura moderna, a serem descartadas, e as partes que são evangelho e devem ser mantidas.
Esse protesto soma-se ao protesto contra a teologia sistemática. Segundo McLaren:
As teologias sistemáticas são construções maravilhosas do fim do período medieval-moderno; para mim, são como as catedrais do tempo medieval. Embora poucos de nós adoremos em catedrais, nós as valorizamos e sabemos que deveriam ser preservadas pela sua beleza. A simetria intelectual e a grande estrutura das teologias sistemáticas igualmente deveriam ser preservadas e admiradas. Mas o meu palpite (e esperança) é que não vamos viver de teologia sistemática somente, no futuro, mas vamos aprender como habitar a história bíblica... e aplicá-la em nossas vidas.
Logo, o protesto emerge em todas as frentes, desde as estruturas geradas pela teologia evangélica até a própria teologia per se e a base epistemológica sobre a qual ela está fundamentada.


3 Missional

O termo missional é frequente na literatura emergente. Quase todas as descrições feitas do movimento também apontam para esta como outra de suas principais características. Nesse contexto, um dos conceitos básicos de "ser missional" é ser autêntico. Gibbs e Bolger descrevem as igrejas emergentes como
comunidades que praticam o caminho de Jesus dentro das culturas pós-modernas. Essa definição envolve nove práticas. Igrejas emergentes: (1) identificam-se com a vida de Jesus, (2) transformam o ambiente secular e (3) vivem vidas comunitárias intensas. Por causa dessas três atividades, elas: (4) acolhem os estranhos, (5) servem com generosidade, (6) participam como produtoras, (7) criam como seres criados, (8) lideram como um corpo e (9) tomam parte nas atividades espirituais.

Na verdade, esse é um aspecto positivo do movimento, exatamente por demonstrar uma intensa preocupação com os incrédulos e uma considerável eficiência no alcance de não cristãos. Por outro lado, as ênfases tendem a levar os grupos a uma relação extremamente horizontal, na qual a pregação do
evangelho e a ação social, por exemplo, tornam-se indistintas e os discursos quase que se confundem, em nova embalagem, com os da teologia da libertação.
Assim sendo, a ação social, como ato de amor, já é pregação e pode dispensar a proclamação. Gibbs e Bolger afirmam que a única metanarrativa viável é a missio Dei, que "redime a nossa realidade material, acolhe os estranhos, compartilha generosamente, capacita, ouve, dá espaço e oferece a verdadeira liberdade". Essa característica revelaria a natureza "encarnada" do cristianismo, da mesma forma que Jesus andou entre as pessoas pobres e rejeitadas e foi parte da sua transformação social. Essa confusão pode também ser percebida nos escritos de McLaren. Para ele:
... a fé cristã missional afirma que Jesus não veio tornar algumas pessoas salvas e outras condenadas. Jesus não veio ajudar algumas pessoas a serem corretas enquanto deixa todas as demais erradas. Jesus não veio para criar outra religião exclusiva – o judaísmo estando exclusivamente baseado na genética e o cristianismo estando baseado exclusivamente na crença (o que pode ser um requisito mais difícil do que a genética).
Nesse sentido, ser missional é ser absolutamente inclusivista. A base bíblica usada pelo autor é o chamado de Abrão, quando Deus prometeu abençoá-lo e fazer dele uma bênção para todas as nações. Tomar esta bênção e enfatizá-la em detrimento da segunda parte (em ti serão abençoadas todas as nações da terra) é não ser missional, nem generoso e nem ortodoxo, ou seja, receber a bênção implica em distribuí-la generosamente a todos, sem exigir nada de volta. A bênção, nesse sentido, não é simplesmente levar o evangelho de Cristo, mas agir como se todos os que estão à nossa volta já tivessem recebido a bênção. Em algumas dessas comunidades o princípio usado é de que nenhum aspecto das ações internas da comunidade deveria fazer com que um de seus membros tivesse vergonha de levar um amigo à reunião ou culto. Na igreja moderna a ordem seria crer e depois pertencer. No movimento emergente a ideia é primeiro pertencer e depois crer.


4 Linguagem, culto e pregação

Uma das características visíveis da igreja emergente está no seu uso da linguagem e na sua forma de manifestação de culto, que são prontamente observáveis nos sites e literatura. Kimball tem vários capítulos descritivos em seu livro e nesta seção utilizo bastante o seu material. Um dos argumentos fundamentais é que a comunicação para a mente pós-moderna não pode acontecer de forma linear. Para a geração que cresce nos tempos contemporâneos a comunicação precisa acontecer em forma de rede, como um site na internet, onde as possibilidades de continuidade são inúmeras e, na verdade, ninguém sabe onde ela vai terminar. Uma das propostas fundamentais na comunicação emergente é a criação de um culto experimental e multissensorial, numa atmosfera trabalhada por luzes, velas, símbolos, mensagens multimídia, arte estática e em movimento, espontânea e participativa, dando sempre lugar à experiência. Isto seria uma reação ao culto na igreja moderna que coloca os adoradores mais como expectadores e que exige muito pouco envolvimento no ato de adoração. Na "Liquid Church" (Igreja líquida), por exemplo, o culto é descrito como "Intenso e apaixonado. Sonhador e reflexivo".
Os elementos de culto propostos por Kimball em Emerging church parecem ser sérios e ponderados. Há um incentivo ao uso da música sem permitir que a letra seja esquecida, bem como as leituras bíblicas feitas antes dos cânticos, as ofertas, a Santa Ceia, a leitura de credos e a oração. Além do mais, um capítulo inteiro do livro é dedicado à forma da pregação. Existem vários aspectos positivos nas declarações feitas por Kimball, como, por exemplo, o fato de que no ato de cantar não se deve ser apenas um observador, alheio ao que se está cantando. Em sua comunidade, os músicos costumam ficar ao fundo do auditório para não se tornarem o foco durante os cânticos e não darem a impressão de uma apresentação musical. Contudo, junto a tudo isto ocorrem várias práticas estranhas ao protestantismo histórico e que se associam mais ao catolicismo romano, algumas delas bem características do misticismo medieval e até pagãs. Um dos exemplos oferecidos pelo próprio autor do livro é a queima de incenso durante a experiência das ofertas, dando ao adorador a noção de que "as suas orações e ofertas estavam, na verdade, subindo a Deus como um aroma agradável".
Várias das igrejas emergentes encontradas na internet também possuem as suas estações de oração nas quais os participantes circulam, dando "passos de oração". Segundo Kimball, em um dos programas de sua igreja as estações representavam cada uma das disciplinas ou aspectos de uma vida cristã sadia. Encontravam-se nelas objetos relacionados ao seu tema. Em uma das estações, descreve Kimball, colocaram uma cruz feita de espelhos onde cada um poderia contemplar-se na cruz e ter uma noção de como Cristo havia levado os pecados nela. Todo o experimentalismo tem como objetivo atrair o jovem pós-moderno em busca de experiências sensoriais e levar-lhe a mensagem do evangelho.
Todavia, Kimball adverte contra o perigo das experiências chamarem mais atenção para si mesmas do que para Jesus. Existem, inclusive, sugestões de como o ambiente de culto pode ser preparado para oferecer uma atmosfera mais favorável ao culto multissensorial. Propõe-se a não linearidade dos assentos, mas a circularidade do ambiente e a presença de simbologia por todos os lados. Dentro de todo este contexto encontramos muito da busca de uma "nova espiritualidade" mística. A prática da "oração contemplativa", em que a união mística com Deus é buscada através da meditação com a repetição de mantras, é incentivada por ministérios que têm sido formadores dentro do movimento, especialmente o Youth Specialties, fundado por Mike Yaconelli, que promove retiros contemplativos para jovens.
Lendo partes do capítulo sobre a pregação, poder-se-ia confundi-lo como o desafio de um pregador reformado que conclama ao retorno à pregação bíblica profunda. De fato, Kimball condena a superficialidade da pregação nas igrejas das últimas décadas e mostra a necessidade de voltar à exposição bíblica como forma de ensino para o povo de Deus. O problema aparece, no entanto, quando a proposta de pregação se volta para o estilo narrativo e são apresentadas as diferenças entre a pregação da igreja moderna e aquela a ser praticada na igreja emergente. Ele afirma que na igreja moderna o "sermão é o ponto focal do culto" enquanto que na igreja emergente "o sermão é uma parte da experiência do ajuntamento de culto"; "o pregador serve como um despenseiro das verdades bíblicas para ajudar a resolver problemas pessoais na vida moderna... [ele] ensina como a sabedoria antiga da Escritura se aplica à vivência do reino como um discípulo de Jesus"; "a mensagem bíblica é comunicada primariamente por palavras... [ela] é comunicada por um misto de palavras, elementos visuais, artes, silêncio, testemunho e história". Nesse sentido, a pregação no culto cristão deixa de ser uma exposição objetiva da verdade para ser a experiência individual de uma espiritualidade impossível de ser definida. O conteúdo da pregação emergente, para ser relevante, vê a Bíblia como "uma narrativa viva que ilumina a nossa história e não como uma verdade proposicional que deve ser observada".


 AVALIAÇÃO PRELIMINAR

Como foi proposto no início, este artigo tem somente a intenção de oferecer uma avaliação preliminar, tendo em vista que muito do que ainda vamos entender por igreja emergente está por vir. Do que até agora se configura como tal, podemos destacar pontos positivos e negativos do movimento.
A busca da comunicação efetiva dentro da cultura é, com certeza, um ponto que deve levar a igreja à reflexão, e nisto o movimento emergente nos chama a atenção. O perigo de tornar-se irrelevante é sempre presente para a igreja em qualquer tempo e, com certeza, a igreja de "nosso tempo" deixa de falar efetivamente em muitas situações, principalmente pelo medo de expor-se e viver no mundo. Conforme a oração do Senhor em João 17, não somos do mundo, mas vivemos nele e nele temos que pregar o evangelho de Cristo.
Essa pregação precisa ser compreensível e relevante, e o uso de uma linguagem efetiva e compreensível ao homem dos dias de hoje é fundamental. O lado negativo desse aspecto, parece-me, é que o movimento emergente prega um tipo de "relevância a qualquer custo". Para ser relevante, o movimento (ou aqueles que são reconhecidos como seus líderes) tem proposto a negação de fundamentos bíblicos essenciais, como a caracterização da verdade bíblica.
Alguns teólogos tem sido o referencial para o desenvolvimento desse tipo de pensamento, entre eles Stanley Grenz. Outro ponto importante é o desejo da chamada igreja emergente de ser missional. Se as comunidades emergentes tomarem o termo missional como o desejo de autenticidade, a negação da hipocrisia e do espírito farisaico e a vontade de não manter estruturas que facilitem esse estado de coisas, estarão, com certeza, mais próximas de apresentar o verdadeiro evangelho com impacto em meio à sua geração e cultura. Creio que algumas delas provavelmente o farão. O lado negativo, no entanto, está na adoção do conceito missional inclusivista. Essa proposta leva o movimento ao radicalismo do antirradicalismo, a ponto de propor que a mensagem do evangelho de Cristo não é radical, do tipo "quem não é por mim é contra mim", mas uma mensagem condescendente, receptiva de diferenças e não condenatória. Afinal, nesse sistema de pensamento tudo o que se propõe como exclusivo é considerado preconceituoso. Outro aspecto positivo do desejo missional é o envolvimento das comunidades com ações de caráter social que, de fato, ajudam e tocam as classes menos favorecidas da sociedade, buscando a erradicação da fome e da pobreza. Todavia, como todo envolvimento da igreja em causas sociais, as comunidades emergentes correm o risco de fazerem da causa social tanto o seu fim último como a sua motivação primeira.
Em que pesem os aspectos positivos do movimento, a sua fundamentação filosófico-teológica nos faz avaliar a sua proposta geral como mais negativa do que positiva. A adoção da mentalidade pós-modernista e do pluralismo da verdade nega, no seu cerne, a proposta bíblica e seus absolutos. Entre os pensadores emergentes está clara a proposta do pluralismo da verdade, no qual "o conhecimento não mais é visto como verdade absoluta; ao contrário, o conhecimento é visto em termos de reorganizar informações em novos paradigmas".
A crença em absolutos não é um marco ou privilégio da igreja moderna, mas é fruto da revelação objetiva de Deus através dos séculos. Outro grande perigo apresentado pelo movimento é a adoção de práticas pagãs na igreja. As práticas de meditação e contemplação propostas por muitos de seus líderes são contrárias aos ensinamentos da Escritura e se configuram como tentativas idólatras de alcançar a divindade. É preocupante ver os passos que estão sendo dados em nome de uma busca espiritual que desconsidera a Escritura como fonte de toda a verdade. Pode a igreja viver assim? Não creio. Uma igreja em que o fundamento básico, a verdade, está solapado, não poderá sobreviver, porque necessariamente deixará de ser igreja. Portanto, a igreja emergente, seja como movimento ou como igreja, deve passar, assim como já passaram muitos outros movimentos contemporâneos que começaram como "a resposta" para os problemas da igreja. A negação aberta das características de autoridade, convicções e expressão doutrinal clara apontam para a direção oposta do que as Escrituras afirmam e a igreja experimentou e comprovou durante toda a sua história.
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste 15 e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. 16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 17 a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.


1. INTRODUÇÃO 

Os versos 10-17 de 2Timóteo 3 formam um único parágrafo, subdividido em duas partes: v.10-13 e v.14-17. Cada uma dessas partes inicia-se com a partícula adversativa  συ δε su de, “tu porém”. Há assim um nítido contraste entre aquilo que Paulo descreveu sobre os falsos mestres (v.1-9), e sua orientação a Timóteo (v.10-17). Os falsos mestres naufragaram na fé (1Tm 1.19). Mas o jovem Timóteo deve continuar na fé.

Observa-se ainda que cada uma das partes do parágrafo em questão tem uma temática: na primeira (v.10-13), Paulo exorta Timóteo a seguir seu exemplo, enquanto que na segunda parte (v.14-17) o apóstolo convoca o jovem presbítero a continuar firme nas Escrituras. Há uma lição aqui: antes de Timóteo olhar para a Palavra de Deus, ele deve o olhar ao exemplo do homem de Deus. Como se diz, nós, cristãos, somos uma Bíblia viva. Antes de pedirmos para as pessoas olharem aos valores das Escrituras, nós mesmos devemos transpirar esses valores mediante o nosso exemplo de vida.
Nosso estudo se concentra nos versos 14-17. Vejamos então o que a Palavra de Deus nos ensina nesses versículos.

2. ANÁLISE
V.14

“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado...”. Timóteo não só aprendeu das Escrituras, mas foi também “inteirado”. Este termo, πιστοω pistoo, aqui significa “ser firmemente persuadido de”, dando o sentido de convencimento. “Note que aprender não basta. O que se aprendeu deve ser aplicado pelo Espírito Santo ao coração, para que também se chegue ao convencimento, com uma convicção que transforme a vida.” 1

Paulo alista duas razões porque Timóteo precisava permanecer na fé. A primeira é: “sabendo de quem o aprendeste”. De quem Timóteo aprendeu? Certamente de sua avó Lóide e de sua mãe Eunice (2Tm 1.5), as quais ensinaram Timóteo “desde a infância”. Não só elas, mas também Paulo contribuiu para a edificação da fé do jovem presbítero (v.10; cf. 1.13; 2.2).

V.15

A segunda razão porque Timóteo precisava permanecer na fé é que, “desde a infância”, ele conhecia “as sagradas letras”. Timóteo era uma ilustração de Pv 22.6. Foi instruído na Palavra, desde pequeno. E agora, é instado por Paulo a continuar nessa fé. No AT aprendemos que era dever dos pais contar aos filhos os grandes feitos de Deus na história de Israel (Dt 6.1-4). A páscoa era uma celebração caseira, através da qual se ritualizava aquela noite em que Deus libertou seu povo da terra da escravidão. Assim, o êxodo deveria ser lembrado por todas as gerações de israelitas (veja Ex 12). Infelizmente hoje é cada vez menor o número de pais que transmitem os valores cristãos aos filhos. Os pais deveriam se espelhar no exemplo de Eunice, mãe de Timóteo.

“A expressão que podem fazer-te sábio, que talvez reflete o uso da LXX no Salmo 19:7 (“dá sabedoria aos simples”), contrasta com a ‘insensatez’ e com os ‘enganos’ dos falsos mestres (vv.9,13).” 2 É através das Escrituras que alcançamos a maturidade e sabedoria necessárias para uma vida cristã autêntica. Quando ignoramos os valores da Palavra de Deus nos enveredamos por um caminho de insensatez, no qual o fim certamente é a morte.

V.16

“Toda a Escritura é inspirada por Deus”. Alguns comentaristas seguem a tradução da Vulgata: “Toda Escritura, inspirada por Deus, é útil.” Essa tradução tem uma implicação: nem toda a Escritura é útil, mas somente aquela que foi inspirada por Deus. Assim, somente algumas partes da Escritura teriam sido inspiradas. Entretanto, a melhor construção gramatical é aquela que considera o termo “inspirada” não como um atributivo, mas como predicativo do sujeito γραφη graphe, “Escritura”.3  “Inspirada”, como o termo “útil”, é um adjetivo de “Escritura”. Entre esses dois adjetivos existe um conetivo “e” (grego kai), o que significa que  “Paulo está afirmando duas verdades sobre a Escritura, a saber: que ela é inspirada e que ela é útil, não somente uma dessas duas coisas”.  Portanto, o texto está afirmando a inspiração plenária das Escrituras, ou seja, cada uma das partes da Palavra provém do sopro de Deus, e tem autoridade definitiva sobre a nossa conduta e fé.

“Inspirada por Deus”. No grego, trata-se de uma única palavra: θεοπνευστος  theopneustos, composta por duas outras palavras: theos (“Deus”) e pneo (“respirar”). A príncipio, parece que o termo não tem haver com inspiração, mas expiração, pois literalmente significa “soprado por Deus”; assim, “‘aspiração’ ou mesmo ‘expiração’ exprimiria com maior exatidão o sentido do adjetivo grego5. Mas a explicação abaixo elucita melhor isso:
"Mesmo que pudesse ser demonstrado que a ideia ativa de Deus soprando seu fôlego nas Escrituras é preferível, nada impediria que houvesse uma forte visão da inspiração, contando que essa inspiração ocorresse de uma vez por todas no momento da redação do texto. A ideia principal então seria que graphe é um termo totalmente permeiado pelo sopro divino.” ;6
Paulo continua sua argumentação, dizendo que, além de inspirada, a Escritura é “útil...”. Esta palavra é a tradução de ωφελιμος ophelimos, “lucrativo” . Este termo grego provém de opheleo, “proveitoso”, “benéfico”. “Um paralelo significativo é encontrado em Hebreus 4.2, onde as boas novas não ‘beneficiaram’ ou ‘foram proveitosas’ para os que as ouviram, porque a mensagem não encontrou fé por parte dos ouvintes.”8

Portanto, a Escritura tem autoridade divina (inspirada) e beneficia aqueles que a leem com fé (útil). A partir disso, podemos perceber quatro objetivos da Escritura:

A Escritura é inspirada e útil “para o ensino”. Atentemos para o termo 
διδασκαλια  didaskalia, “ensino”. A Escritura tem autoridade divina para reger nosso ensino e doutrina. Ela é a nossa única regra de fé e prática. Nas epístolas pastorais, Paulo preocupava-se com a falsa doutrina que se infiltrava na Igreja (1Tm 1.3), e convocou tanto Timóteo como Tito a zelarem pelo ensino e sã doutrina (1Tm 1.10; 4.13; 5.17; Tt 2.1).

A Escritura é inspirada e útil “para a repreensão”. A palavra grega 
ελεγχος elegchos “repreensão” alude à “verificação, pela qual algo é provado ou testado” .  Em Mt 18.15 e 1Tm 5.20 o mesmo termo é usado, sugerindo arguição ou convencimento a respeito do pecado. Essa deveria ser nossa postura com a Bíblia: quando confrontados com a Palavra, somos provados e verificados a tal ponto que, caso haja em nós algo que desabone a vontade de Deus, somos convencidos do erro. Mas não somente nosso pecado é confrontado. O texto continua:

A Escritura é inspirada e útil “para a correção”. O termo aqui (
επανορθωσις  epanorthosis) denota “restauração a um estado correto”. “Se repreensão enfatiza o aspecto negativo da obra pastoral, acorreção enfatiza o lado positivo. O pecador deve não só ser advertido a abandonar a vereda errada, mas ser também guiado na vereda certa ou reta (Dn 12.3). Isto também ‘toda Escritua’ é capaz de fazer.” 10

A Escritura é inspirada e útil “para a educação na justiça”. O termo 
παιδεια paideia tem um sentido muito rico. Pode ser traduzido por “instrução”; “disciplina”, como em 2.25 e Ef 6.4. Para alguns comentaristas, “corresponde a ‘corrigir’, em seu aspecto positivo”11 . Mas em Tt 2.11-14 paideia ganha o sentido de treinamento para uma vida santa e reta. A “justiça”, pois, teria o sentido de “boas obras”, como em 2.21-22. Isso ficará mais explícito no verso 17.

Portanto, as Escrituas são o nosso manual de doutrina (“para o ensino”); Ela examina se há em nossa vida algum pecado (“para repreender”), nos dirige a um caminho reto (“para a correção restaura um”), e nos prepara para vivermos a vida marcada por um caráter segundo o coração de Deus (“para a educação na justiça”).

V.17

“a fim de que o homem de Deus seja perfeito”. O homem de Deus, aqui nas epístolas a Timóteo, é uma referência ao ministro do evangelho (1Tm 6.11), mas por extensão pode ser aplicado aos cristãos em geral. A palavra αρτιος artios, “perfeito”, alude a algo completo, da mesma forma que εξαρτιζω exartizo, “perfeitamente habilitado”. A Escritura vai trabalhando em nossa vida de tal forma que nosso caráter vai sendo completado com a perfeição que existe em Cristo, e assim, como Cristo, estaremos preparados “para toda boa obra” (1Tm 5.10; 2Tm 2.21; Tt 3.1). O Espírito Santo “não se satisfaz enquanto a Palavra de Deus não cumprir plenamente sua missão e o crente não tiver alcançado a ‘medida da estatura da plenitude de Cristo’ (Ef 4.12,13)”.  12

Por vezes ouvimos crentes dizendo que não estão preparados para realizarem alguma coisa em prol do Evangelho. Entretando, a Escritura desafia todos os crentes a estarem preparados para a execução das boas obras. Há outros que, quando indagados por um descrente sobre a fé, dizem não saber, e que vão procurar resposta com o pastor. Está mais que na hora de tais cristãos se conscientizarem da necessidade que têm de amadurecimento, através da “espada de dois gumes”, que é a Palavra de Deus.

Paulo desafiou Timóteo a permanecer na fé. Ele insistiu “na lealdade de Timóteo à sua vocação ministerial, ao próprio Paulo e a Cristo e seu evangelho, incluindo o ensino das Escrituras. Timóteo deve permanecer leal a despeito do sofrimento e em face da oposição.” 13

Timóteo deveria manter fidelidade ao ensino de Paulo. Tal ensino tinha autoridade divina. Assim também, em face de tantos ventos de doutrinas atuais, precisamos renovar nosso compromisso com a Palavra de Deus. Não se trata de um compromisso somente com uma verdade objetiva, mas com uma verdade que transforma nossa conduta e nos prepara para vivemos uma vida justa em meio a uma sociedade corrupta. 





















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